Sardenberg: O governo é ruim
{ Posted on 18:16
by Edmar Lyra Filho
}
Por Carlos Alberto Sardenberg
Está certo que produtores europeus querem barrar a entrada da carne bovina brasileira no rico mercado da Europa. Mas é certo também que há culpa brasileira do governo federal, em especial nos episódios que levaram a Comissão Européia a suspender as importações do Brasil.
Resumindo a história: fazendeiros europeus temem a competição porque produzem uma carne cara. Assim, fazem pressão contra as importações, dizendo que a carne brasileira é barata porque produzida sem controles de qualidade.
Não é verdade. Há carne ruim no Brasil, há relaxamento na fiscalização sanitária e no controle das fronteiras, mas há também fazendas com métodos e tecnologia de ponta.
O mundo todo sabe disso, inclusive na Europa, onde muita gente quer é aumentar a compra da carne brasileira, mais barata e de primeira. Um quilo de contra-filé, que sai no Brasil a menos de dez reais, custa mais de R$ 60 na Itália e mais de R$ 80 na Inglaterra. Metade disso é imposto, mas mesmo assim está caríssimo. Pesa no bolso, é um argumento poderoso a favor da importação.
No balanço das pressões, a Comissão Européia fica como que obrigada a impor exigências variadas aos exportadores brasileiros - controle sanitário do gado, rastreamento, certificação de origem justamente para driblar a acusação de que a carne brasileira é barata porque sem cuidados com a qualidade.
Por isso, e até com boa disposição, a Comissão negociou durante anos com o governo brasileiro, enviou inúmeras missões veterinárias, apresentou relatórios, deu prazo para cumprimento de exigências.
Ora, o que deveria fazer o governo brasileiro? Negociar bem as exigências de controle e depois cuidar de cumpri-las. Produtores queixam-se de erros nos dois momentos. De um lado, reclamam que o governo aceitou uma cláusula de rastreabilidade (maneira de certificar a origem do boi) muito difícil de efetivar. E, de outro, não fez o esforço necessário para cumpri-la, tudo culminando no episódio da certificação das fazendas aptas a exportar para a Europa.
Não é que os europeus queriam uma lista com apenas 300 fazendas, como se diz por aqui.
A Comissão Européia havia dado prazo para o governo brasileiro entregar a primeira lista e acreditavam os funcionários europeus que não haveria tempo nem condições para fiscalizar um número muito grande de fazendas. Quando receberam a lista brasileira, com 2.861 fazendas certificadas, desconfiaram.
O que fez o Ministério da Agricultura? Recebeu as listas dos governos estaduais, carimbou e mandou para Bruxelas. E, conforme informações recebidas por fazendeiros brasileiros do primeiro time, os europeus desconfiaram das listas excessivas de alguns estados (como os de Minas, Goiás e Mato Grosso) e não teriam nada a opor, por exemplo, às fazendas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Ou seja, o Ministério da Agricultura, para evitar brigas políticas, não quis ou não pode arbitrar entre as listas dos estados. Passou a bola para a Comissão Européia, que melou todo o jogo e suspendeu todas as importações do Brasil e marcou novas inspeções. Ou seja, os europeus não quiseram, pelo menos agora, escolher de uma lista da qual desconfiam.
Digamos que estão, eles, europeus, fazendo malandragem. Mas o governo brasileiro ofereceu a oportunidade. Aceitou uma regra, não conseguiu cumprir e tentou driblar os europeus. Agora, voltam as negociações e vêm os europeus verificar se a lista vale.
Enquanto isso, o Brasil perde alguns meses de exportação. O nome disso é má gestão, incapacidade administrativa situação que não é rara no governo Lula. Vai desde grandes mancadas, como essa com a carne, a pequenas trapalhadas.
Tradução errada
Para ficar no noticiário da semana, pegue-se o caso Salvatore Cacciolla, preso em Mônaco, esperando a decisão da Justiça local sobre o pedido de extradição do governo brasileiro. Lembram-se que o ministro da Justiça, Tarso Genro, viajou às pressas para Mônaco, com o objetivo de apresentar o pedido pessoalmente na Corte?
Pois então, deu umas boas fotos e declarações graves do ministro, e nada. O que funcionaria mesmo seria entregar ao juiz do Mônaco todo o processo da Justiça brasileira, contendo a condenação de Cacciolla, mas traduzido para o francês. Pois então, o governo providenciou a tradução mas o juiz monegasco parece que não entendeu nada. Encomendou uma outra, ao pessoal dele.
Anuncia e reanuncia
Nas obras do PAC, o governo adotou um método infalível para acertar o cronograma. Está atrasado? Mudem-se os prazos.
Em 27 de maio do ano passado, o presidente da Valec Construções e Ferrovias, José Francisco das Neves, disse que o trem bala Rio/S.Paulo estaria com as obras licitadas ainda no final de 2007 ou início de 2008.
Nada feito.
Mas a promessa foi revalidada e ampliada. Agora, o projeto do trem bala está incluído no PAC, com previsão de US$ 11 bilhões de investimentos privados. Novos prazos, dados pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento: modelagem do projeto em agosto deste ano e publicação do edital de licitação em março de 2009. Mais ainda: o sistema terá uma segunda perna (S.Paulo/Campinas), de modo a ligar os aeroportos do Galeão, Guarulhos e Viracopos.
Conclusão: o projeto continua no papel, mas cresceu o que torna mais vistosa a previsão de investimentos do PAC e continua no prazo, no novo prazo.
Finalmente, entrou em vigor a proibição de venda de bebida alcoólica nos bares e restaurantes à beira de estradas federais. Rende declarações solenes das autoridades, promessas de rigorosa fiscalização.
Ora, a Polícia Rodoviária não dá conta nem do que já tem que fiscalizar como blitz para aplicar bafômetro pelo país afora. Vão agora os policiais sair procurando latinhas de cerveja embaixo dos balcões?
Publicado em O Estado de S. Paulo, 04 de fevereiro de 2008
Está certo que produtores europeus querem barrar a entrada da carne bovina brasileira no rico mercado da Europa. Mas é certo também que há culpa brasileira do governo federal, em especial nos episódios que levaram a Comissão Européia a suspender as importações do Brasil.
Resumindo a história: fazendeiros europeus temem a competição porque produzem uma carne cara. Assim, fazem pressão contra as importações, dizendo que a carne brasileira é barata porque produzida sem controles de qualidade.
Não é verdade. Há carne ruim no Brasil, há relaxamento na fiscalização sanitária e no controle das fronteiras, mas há também fazendas com métodos e tecnologia de ponta.
O mundo todo sabe disso, inclusive na Europa, onde muita gente quer é aumentar a compra da carne brasileira, mais barata e de primeira. Um quilo de contra-filé, que sai no Brasil a menos de dez reais, custa mais de R$ 60 na Itália e mais de R$ 80 na Inglaterra. Metade disso é imposto, mas mesmo assim está caríssimo. Pesa no bolso, é um argumento poderoso a favor da importação.
No balanço das pressões, a Comissão Européia fica como que obrigada a impor exigências variadas aos exportadores brasileiros - controle sanitário do gado, rastreamento, certificação de origem justamente para driblar a acusação de que a carne brasileira é barata porque sem cuidados com a qualidade.
Por isso, e até com boa disposição, a Comissão negociou durante anos com o governo brasileiro, enviou inúmeras missões veterinárias, apresentou relatórios, deu prazo para cumprimento de exigências.
Ora, o que deveria fazer o governo brasileiro? Negociar bem as exigências de controle e depois cuidar de cumpri-las. Produtores queixam-se de erros nos dois momentos. De um lado, reclamam que o governo aceitou uma cláusula de rastreabilidade (maneira de certificar a origem do boi) muito difícil de efetivar. E, de outro, não fez o esforço necessário para cumpri-la, tudo culminando no episódio da certificação das fazendas aptas a exportar para a Europa.
Não é que os europeus queriam uma lista com apenas 300 fazendas, como se diz por aqui.
A Comissão Européia havia dado prazo para o governo brasileiro entregar a primeira lista e acreditavam os funcionários europeus que não haveria tempo nem condições para fiscalizar um número muito grande de fazendas. Quando receberam a lista brasileira, com 2.861 fazendas certificadas, desconfiaram.
O que fez o Ministério da Agricultura? Recebeu as listas dos governos estaduais, carimbou e mandou para Bruxelas. E, conforme informações recebidas por fazendeiros brasileiros do primeiro time, os europeus desconfiaram das listas excessivas de alguns estados (como os de Minas, Goiás e Mato Grosso) e não teriam nada a opor, por exemplo, às fazendas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Ou seja, o Ministério da Agricultura, para evitar brigas políticas, não quis ou não pode arbitrar entre as listas dos estados. Passou a bola para a Comissão Européia, que melou todo o jogo e suspendeu todas as importações do Brasil e marcou novas inspeções. Ou seja, os europeus não quiseram, pelo menos agora, escolher de uma lista da qual desconfiam.
Digamos que estão, eles, europeus, fazendo malandragem. Mas o governo brasileiro ofereceu a oportunidade. Aceitou uma regra, não conseguiu cumprir e tentou driblar os europeus. Agora, voltam as negociações e vêm os europeus verificar se a lista vale.
Enquanto isso, o Brasil perde alguns meses de exportação. O nome disso é má gestão, incapacidade administrativa situação que não é rara no governo Lula. Vai desde grandes mancadas, como essa com a carne, a pequenas trapalhadas.
Tradução errada
Para ficar no noticiário da semana, pegue-se o caso Salvatore Cacciolla, preso em Mônaco, esperando a decisão da Justiça local sobre o pedido de extradição do governo brasileiro. Lembram-se que o ministro da Justiça, Tarso Genro, viajou às pressas para Mônaco, com o objetivo de apresentar o pedido pessoalmente na Corte?
Pois então, deu umas boas fotos e declarações graves do ministro, e nada. O que funcionaria mesmo seria entregar ao juiz do Mônaco todo o processo da Justiça brasileira, contendo a condenação de Cacciolla, mas traduzido para o francês. Pois então, o governo providenciou a tradução mas o juiz monegasco parece que não entendeu nada. Encomendou uma outra, ao pessoal dele.
Anuncia e reanuncia
Nas obras do PAC, o governo adotou um método infalível para acertar o cronograma. Está atrasado? Mudem-se os prazos.
Em 27 de maio do ano passado, o presidente da Valec Construções e Ferrovias, José Francisco das Neves, disse que o trem bala Rio/S.Paulo estaria com as obras licitadas ainda no final de 2007 ou início de 2008.
Nada feito.
Mas a promessa foi revalidada e ampliada. Agora, o projeto do trem bala está incluído no PAC, com previsão de US$ 11 bilhões de investimentos privados. Novos prazos, dados pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento: modelagem do projeto em agosto deste ano e publicação do edital de licitação em março de 2009. Mais ainda: o sistema terá uma segunda perna (S.Paulo/Campinas), de modo a ligar os aeroportos do Galeão, Guarulhos e Viracopos.
Conclusão: o projeto continua no papel, mas cresceu o que torna mais vistosa a previsão de investimentos do PAC e continua no prazo, no novo prazo.
Finalmente, entrou em vigor a proibição de venda de bebida alcoólica nos bares e restaurantes à beira de estradas federais. Rende declarações solenes das autoridades, promessas de rigorosa fiscalização.
Ora, a Polícia Rodoviária não dá conta nem do que já tem que fiscalizar como blitz para aplicar bafômetro pelo país afora. Vão agora os policiais sair procurando latinhas de cerveja embaixo dos balcões?
Publicado em O Estado de S. Paulo, 04 de fevereiro de 2008
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