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Artigo: Jarbas, José e João

{ Posted on 17:24 by Edmar Lyra Filho }
Por Maurício Costa Romão
mauricio-romao@uol.com.br

Em seu elogiado pronunciamento no plenário do Senado Federal sobre corrupção, em 03/03/09, o senador Jarbas Vasconcelos chama a atenção, também, para a necessidade de se empreender no país uma urgente reforma política, que qualifica como a "mãe" de todas as reformas.

Após enumerar quatro pontos que a seu ver deveriam constar de uma reforma política que merecesse esta denominação, o senador se detém mais amiúde na questão das coligações partidárias nas eleições proporcionais: "De todas as medidas de uma reforma política séria e objetiva, talvez a única que obteria um resultado extraordinário, isoladamente, é a proibição das coligações nas eleições proporcionais. Essas coligações são uma deformidade e uma imoralidade, existentes apenas no Brasil, onde se vota em José e se elege João."

O presente texto se socorre da evidência empírica para ilustrar alguns pontos da afirmativa do senador, recorrendo aos dados oficiais do TRE relativos à eleição proporcional de 2008, no município do Recife.

A Tabela 1, a seguir, mostra as legendas que participaram do pleito de 2008, isoladas ou em coligações, bem como os votos válidos dessas legendas, o cálculo "inicial" do quociente partidário e, finalmente, na última coluna, o número de cadeiras obtidas pelos partidos ou coligações.

Nota-se nesta Tabela que houve a formação de 06 coligações que, juntas, obtiveram 60% do total de votos válidos e 65% das cadeiras disponíveis, isto é, 24 das 37 vagas. Proporcionalmente, portanto, as coligações foram beneficiadas: conquistaram mais cadeiras do que o total de votos recebidos ensejava.

Na Tabela 2, abaixo, também elaborada utilizando dados oficiais, os votos das coligações são decompostos em termos dos votos recebidos por cada legenda individualmente. A três primeiras colunas mostram os 26 partidos que concorreram ao pleito de 2008 e suas respectivas votações, numérica e percentual. A quarta coluna apresenta o resultado final do TRE quanto ao número de vagas ocupadas por cada partido em função da votação recebida individualmente, caso de agremiação não-coligada, ou pela votação da coligação de que fez parte.

A quinta coluna da Tabela desfila os percentuais das cadeiras obtidas pelas agremiações. Quando cotejados com os percentuais da terceira coluna vê-se que o princípio ideal da proporcionalidade (a representação de cada partido, em termos de assentos conquistados, deve ser exatamente proporcional aos votos recebidos) está longe de ser validado. Observe-se na Tabela, por exemplo, os casos do PTB, PTC, PMN, PPS, entre outros. Este fenômeno não é uma exceção e sim uma regra geral do conturbado sistema eleitoral brasileiro em que prevalece, na verdade, a desproporcionalidade, quer dizer, a alteração da vontade do eleitor expressa nas urnas: a ocupação das vagas parlamentares não é feita em consonância com a proporcionalidade dos votos.


Ainda em referência à Tabela 2, constata-se, inicialmente, que 04 partidos não conseguiram atingir o coeficiente eleitoral (PP, PSB, PRP e PRB) e, ainda assim, graças às coligações de que fizeram parte, lograram eleger representantes no parlamento municipal, com destaque para o PSB que foi agraciado com dois mandatos. Se, ficticiamente, as eleições de 2008, no Recife, não permitissem as coligações, esses 04 partidos não teriam representantes na edilidade, conforme se vê nas duas últimas colunas da Tabela. Estas colunas desfilam números que respondem à seguinte questão: como teria sido a alocação de cadeiras entre os partidos se não houvesse as coligações?

As legendas PT, PHS, PC do B, PMN, PSDB e PSL foram prejudicadas no pleito em apreço, visto que lograram conquistar menos cadeiras do que teriam caso a legislação proibisse as coligações. O exemplo do PT é o mais emblemático: sem as coligações teria mais duas vagas no parlamento municipal.

Por seu turno, os partidos beneficiados pelo expediente da coligação foram: PTB, PTC, PP, PSB, PRP e PRB. Destes, PTB e PTC teriam vagas asseguradas mesmo se não estivessem coligados: o PTB teria 03 vagas (ao invés de 04) e o PTC, 02 (ao invés de 03), visto que suas votações superaram o quociente eleitoral.

Observa-se, entretanto, que o PSL mesmo tendo ultrapassado individualmente o quociente eleitoral não elegeu candidato. Esta agremiação fez parte da coligação denominada "Frente do Recife para Vereadores", composta ainda pelo PT, o PTB e o PSB (vide Tabela 1). Se o PSL tivesse concorrido isoladamente asseguraria uma cadeira na Câmara. O PSB, por seu turno, que não atingiu o coeficiente eleitoral, elegeu dois representantes na edilidade, não obstante tenha feito parte da aliança na qual figura o PSL. Não estivesse o PSB agregado a esta aliança e não teria elegido nenhum vereador.

A distorção que essa evidência empírica ressalta é recorrente no emaranhado sistema das eleições proporcionais no país. Com efeito, numa mesma aliança, um partido, com mais votos, ultrapassa o quociente eleitoral e não elege representante. Outro partido, com menos votos, componente da mesma aliança, não atinge o limite mínimo de votos requerido e consegue conquistar duas cadeiras. Quer dizer, as cadeiras obtidas pela coligação de partidos não são distribuídas proporcionalmente à contribuição de cada partido individualmente!
E esta é uma regra geral que vale para as eleições proporcionais no Brasil: não há distribuição de votos intracoligação, para efeito de alocação de cadeiras, de acordo com a votação de cada agremiação participante da aliança. O que é determinante no interior das coligações, na verdade, são os votos individuais dos diversos candidatos e não a contribuição proporcional dos votos de cada agremiação componente. As agremiações como que desaparecem no interior da coligação e, para efeito de cálculo de quem vai eleger-se, ela própria, a coligação, passa a funcionar como se um partido fora, já que a votação é unificada internamente.

Em suma, o caso mais geral que é observado frequentemente na prática é que em um mesmo pleito siglas partidárias mais votadas não conseguem representação parlamentar, ao passo que siglas menos votadas conseguem, o que caracteriza uma evidente anomalia do processo eleitoral.

Voltando à Tabela, no exemplo da coligação Frente do Recife para Vereadores, os 24.929 votos dados aos candidatos do PSL serviram tão-somente para ajudar a eleger candidatos de outras agremiações da aliança, particularmente os dois do PSB, que foram bem votados individualmente no partido e na aliança (9.533 e 7.334 votos, em respectivo, de um total de 18.821 do PSB).

É nesse sentido que o senador Jarbas Vasconcelos referiu-se propriamente ao sistema eleitoral brasileiro - que adota na sua legislação o mecanismo das coligações proporcionais - como imoral e deformado, "onde se vota em José e se elege João".

Na verdade, pode também acontecer de se "votar em José e se eleger João", mesmo que não haja coligações entre partidos. Basta para isso que José e João sejam de uma mesma sigla e que esta tenha atingido o quociente eleitoral. Neste caso o requerimento para ocorrer o vaticínio do senador é que João tenha tido mais votos que José e que a votação de João seja tal que ele esteja na iminência de se eleger. Aí a votação de José pode empurrar João para o rol dos eleitos, ainda que contrarie a vontade do eleitor de José.

O chamado "efeito Enéas", embora um fenômeno distinto do que chamou a atenção o senador Jarbas, é igualmente extraordinário e ilustrativo da anomalia do sistema nacional em uso: vota-se em José e se elege José, mas, à reboque, se elege também João, Joaquim, Pedro, Paulo.... Menos mal que o candidato de preferência do eleitor, José, no exemplo, tenha sido eleito, sacramentando a vontade manifesta do eleitor nas urnas. Mas certamente o eleitor não contava com essa romaria de candidatos que ele não conhece pegando carona na votação do seu preferido!

Não sem razão, pois, que quase toda referência que se faz à almejada Reforma Política inclui-se a exigência do fim das coligações como premissa básica. O regramento eleitoral que permite tais associações partidárias carece de ser mudado, pois enseja desvirtuar a vontade popular, o que o torna inaceitável do ponto de vista da representação democrática.

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